sábado, 11 de agosto de 2012

Sábado poético

Nunca conheci quem tivesse levado porrada.
Todos os meus conhecidos têm sido campeões em tudo.

E eu, tantas vezes reles, tantas vezes porco, tantas vezes vil,
Eu tantas vezes irrespondivelmente parasita,
Indesculpavelmente sujo,
Eu, que tantas vezes não tenho tido paciência para tomar banho,
Eu, que tantas vezes tenho sido ridículo, absurdo,
Que tenho enrolado os pés publicamente nos tapetes das etiquetas,
Que tenho sido grotesco, mesquinho, submisso e arrogante,
Que tenho sofrido enxovalhos e calado,
Que quando não tenho calado, tenho sido mais ridículo ainda;
Eu, que tenho sido cômico às criadas de hotel,
Eu, que tenho sentido o piscar de olhos dos moços de fretes,
Eu, que tenho feito vergonhas financeiras, pedido emprestado sem pagar,
Eu, que, quando a hora do soco surgiu, me tenho agachado
Para fora da possibilidade do soco;
Eu, que tenho sofrido a angústia das pequenas coisas ridículas,
Eu verifico que não tenho par nisto tudo neste mundo.

Toda a gente que eu conheço e que fala comigo
Nunca teve um ato ridículo, nunca sofreu enxovalho,
Nunca foi senão príncipe – todos eles príncipes – na vida…

Quem me dera ouvir de alguém a voz humana
Que confessasse não um pecado, mas uma infâmia;
Que contasse, não uma violência, mas uma cobardia!
Não, são todos o Ideal, se os oiço e me falam.
Quem há neste largo mundo que me confesse que uma vez foi vil?
Ó príncipes, meus irmãos,

Arre, estou farto de semideuses!
Onde é que há gente no mundo?
Então sou só eu que é vil e errôneo nesta terra?

Poderão as mulheres não os terem amado,
Podem ter sido traídos – mas ridículos nunca!
E eu, que tenho sido ridículo sem ter sido traído,
Como posso eu falar com os meus superiores sem titubear?
Eu, que venho sido vil, literalmente vil,
Vil no sentido mesquinho e infame da vileza.

Fernando Pessoa - Em linha reta

Eterna insatisfação humana


Como tudo que era bom, um dia desvanece. Como a música predileta e perfeita, depois de escutada 50 vezes, encontram-se os defeitos. A pequena desafinação ali, o tom que não deu certo lá.

Até parece chantagem e mania de perfeccionismo. Mas quem não é perfeccionista quando se trata do alheio? A gnt é sempre perfeito e deve continuar sendo aos olhos do outro. Ai de quem julga, ai de quem destrata. E daí lá vamos nós, no menor tropeço alheio, fazer de conta que tropeçamos numa montanha inteira. Exagero, superficialismo, exigências demais, cegueira, seja o que for. O fato é:


A eterna insatisfação humana.



Salomé... - Caravaggio

quinta-feira, 2 de agosto de 2012


Não posso olhar, e ficar imune, não reagir, não querer gritar.
São olhos de libélulas, de oceano, mar fundo. Escondem todos os segredos do mundo. Não posso, jamais, encarar olhos mais belos. São aqueles, os que levam para o infinito. Que trazem a angústia e a dor, para logo depois mostrar o alívio.
Não tem como não ser marcante. Cada pedaço naquele rosto é feito de perfeição. As bochechas levam a expressão junto, sempre profunda, pensante, além. E os lábios, às vezes mostram um sorriso, mas mantêm a serenidade. Bem que eu gostaria de esquecer, deixar pra lá. Mas pensar em esquecer, não é a mesma coisa que lembrar?
Lembro das mãos, eram firmes e seguras. As sensações não somem assim, não desaparecem. Tão simples. Tão inseguro. Tão...nós. Mas antes eu tinha uma certeza, um pressentimento. Parece que se esvaiu.
Mas os olhos são os mesmos. Antes, cheios de significados. Agora, resta um vazio que não sei interpretar, lembro da última vez que os vi. Foi num momento inesperado, não era para acontecer. De longe, e disfarçando, nos encaramos. Os olhos se encararam, alguns segundos que parecem horas na minha lembrança. Pelo resto da noite, não soube suportar a dor da visão, da distância. O que eu faria se isso acontecesse de novo?
Teria o mundo nos meus braços. Teria um sentimento real, profundo, antigo. Saberia ler aqueles olhos e suportar aqueles lábios. Escorregaria numa fantasia nunca imaginada. As mãos, tocariam nas minhas? As leis, seriam reais?
Bastariam os teus olhos, de novo, perto dos meus...e eu entenderia a dor, o silêncio, o amor.

Violetta Rhea

.como o céu

Das profundezas do baú,
das profundezas dos sentimentos,


da borda d'alma.

Vanessa Dalla
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