Vazio. Hoje já não sabe mais seu significado, pois o vazio
que era seu já está cheio, de suas lembranças, amarguras, rancor, e este lhe
consome, lhe puxa para dentro como um grande centro gravitacional, e quer cada
parte que lhe convém. A cada vez que vai mais fundo, provoca mais feridas,
encontra mais podridão, e se preenche dessas partículas do mal. Aliás, se há
alguma influência de uma espécie de demônio nesse ser desafortunado, eu não
deixaria de acreditar. Não há mais visão de liberdade, tampouco objeção á
prisão. Ele só desejaria ver o dia como foi um dia, um dia de luz sem trovões
ou raios em sua mente. Sua cabeça lhe dói que a deseja perfurar para aliviar
este sofrimento e pressão, nada poderia lhe incomodar mais. Assim, fica
escondido em seus recantos, não mais expõe os sensíveis olhos à claridade
obscurecida. Se demônios pairam em seu cômodo escuro e úmido, mais ainda eles
estão lá fora, não permitindo que volte a admirar o que um dia foi o motivo de
sua vida. Pois a única beleza louvável no mundo era a natureza, e o que lhe
fazia correr o sangue eram as intempéries do coração. Ambas destruídas, não
entendia mais porque estava a deixar seu coração negro ainda pulsando. Sabia
que não podia mais haver luz, ou paz. Nunca mais dormiria ou teria sonhos sobre
uma relva aquecida, e decidiu dedicar-se a esta escuridão, entregando as
últimas fagulhas de sua alma ao vazio que lhe procurava incessantemente. Não
reagiu à dor nem ao desespero, nem quando o prenderam em roupas apertadas ou o
ataram na cama. Nem sabia porque faziam isso com ele, apenas diziam que
precisava disto. Nunca acreditou, e seus acessos de fúria, derramando berros
ininteligíveis e agoniosos, tornaram-se freqüentes. Se via a luz por uma
brecha, não pensava na sua liberdade, mas tinha ódio e queria acabar com ela.
Foi assim que chamou para junto de si estes seres do submundo, raivosos e
sedentos, que ele havia achado que era apenas um vazio em seu corpo, não
sabendo que seu corpo estava cada vez mais cheio de um negrume cheirando a
enxofre, sempre mais cheio desta melancolia e de pensamentos que outra hora lhe
foram tão refutáveis. Finalmente, nada mais viu, era tudo escuro, todo o
ambiente dominado pela presença maléfica de forças que ele não poderia
controlar, e o ar foi escapando-lhe dos pulmões, a mente perdeu o resto de
razão e o coração por fim aliviou-lhe os anseios da morte. Sentiu que agora
sim, era vazio.
E estas linhas mal escritas me vieram à mente, lembrando que
um dia, ele já foi eu.